5 de jun. de 2010

Sex and The City e as tribos sem língua

Dias atrás assisti ao filme Sex and The City 2, em cartaz nos cinemas, acompanhado de uma presença feminina: minha namorada. O objetivo era comemorar uma data especial para o nosso relacionamento. E tudo terminou de uma forma especial e diferente. O centro da questão não é o meu relacionamento, mas as “nuances” do filme. Para começar, o filme é tecnicamente bem executado e com um figurino de primeira linha. Trabalha com a predominância de branco – ambientes externos – com cores mais escuras para os ambientes internos, no caso de Nova York. As cores quentes aparecem nas cenas que se passam em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Ainda assim, não são essas as “cores” de que quero tratar.

“Vamos começar pelo começo”, já diz o sábio ditado. Antes de penetrar nas “nuances” e “cores” que quero abordar, uma parada rápida sobre o título. Não me refiro a palavra “Sex”. Durante todo o filme, as quatro amigas de NYC, interpretadas por Sarah Jessica Parker (Carrie), Kim Cattrail (Samantha), Kristin Davis (Charlotte) e Cynthia Nixon (Miranda), mostram que em termos sexuais, elas são (muito bem) resolvidas. Falarei disso mais adiante.

Avancemos no título, até chegar em “City”. Olhem a arrogância da palavra “City”. Ela não está posta somente como o final de New York City, mas representa a arrogância do império norte-americano, em franca decadência. Não é somente a City ou a Big Apple dos gringos, mas é a reprodução da urbe ET orbe (a cidade de Roma e o mundo, em latim) que os antigos romanos usavam para designar Roma. Não me causaria espanto se o título fosse “Sex and the Urbe”.

A Urbe dos Estados Unidos aparece descrita na música “Empire State of Mind”, de Jay-Z e Alicia Keys: “One hand in the air for the big city / streeets lights, big dreams, all lookin’ pretty” (“Uma mão para o ar em nome da grande cidade, luzes da rua, grandes sonhos, tudo soa maravilhoso”). Nova York está para os EUA assim como Roma estava para o império romano: a capital do mundo e de “todas” as tribos.

Sex And The City 2, porém, não é o filme de todas as tribos. Nem de todas as mulheres. Embora trabalhe com o mito “com um pouco de esforço, se chega lá”, sabemos que as coisas não são tão simples assim. Para chegar “lá”, existem alguns pré-requisitos a serem seguidos. E é aí que muitas mulheres são eliminadas. Em primeiro lugar, para chegar ao patamar delas, não precisa nascer rica, mas pelo menos branca, com os padrões físicos “desejáveis”: alta, magra, com um corpo escultural e traços anglo-saxônicos. Para o resto, as cirurgias plásticas, os salões de beleza e os “hormônios” de Samantha dão um jeitinho.

Na sala de cinema a única mulher negra era minha namorada. No filme, não vi nenhuma. O filme também mostra uma Nova York mais próxima da elite e da classe média do que dos populares. Esqueça Brooklyn, Harlem, Queens e Staten Island. Na vida real, elas são escondidas; no filme, sequer existem.

Para aquelas que não gostam de pensar politicamente o filme, um alento: tem homens bonitos. “Boa pinta”, dirão os rapazes mais conservadores. E claro, todos disponíveis para elas: americanos, dinamarqueses, árabes, jogadores de rugby da seleção australiana. Os homens como objeto do apetite sexual das mulheres. São quatro amigas, bem-sucedidas financeiramente, que representam quatro mundos diferentes. Tem a mulher descolada, que tenta lidar com os dramas do casamento (Carrie), a que tem um casamento conservador, mas abalado pela babá bonitona, loira e solteira (Charlotte), a solteira “fogosa” (Samantha) e a advogada Miranda, que não tem tempo para a família. A mulher pode até não ter filhos, mas tem que se casar. Assim a sociedade “cria” suas mulheres: prontas para o casamento.

Casamento, traição, insegurança: temas caros às mulheres modernas. E elas estão falando a mesma língua. Seja em Nova York ou em Abu Dhabi, elas querem se livrar de uma amarra maior, sutil: a dominação e a “castração” masculina. Em Nova York, Carrie tem seu artigo criticado no jornal The New Yorker - do qual é leitora assídua há 10 anos - acompanhado de uma charge em que aparece com a boca cheia de esparadrapo; em Abu Dhabi, mulheres discutem sobre moda em uma inocente loja de flores. E debaixo de suas burkas, a coleção Primavera-Verão que sequer chegou às prateleiras.

Para quem se contorceu na poltrona do cinema – passadas duas horas de filme – outro alento: tudo acaba bem. Sim, por alguns instantes elas questionam o sistema e até promovem mudanças em suas vidas, mas nada muito radical. Tudo dentro dos moldes, para não “ofender” ninguém: a grande maçã e seu urbanismo perverso; os homens e suas traições, mesmo que mentais; o sofá e a televisão, companheiras inseparáveis – do homem – depois de anos de casamento.

Tudo não passa de um grande susto. Depois de uma vidinha em “preto e branco”, tudo fica colorido no final. “True Colors” canta a música de Cindy Lauper, que encerra o filme. Um filme colorido, cheio de glamour, mas que não cola. Isso explique o porquê do filme não ter decolado nos EUA. Perdeu em bilheteria para Shrek. Também pudera: o ogro verde está mais próximo da realidade de muitas pessoas – um ser com defeitos e qualidades – do que as quatro amigas de Sex and The City 2, complicadas, perfeitas e tão distantes para mulheres e homens.

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