23 de jun. de 2010

O gaúcho que enfrentou a Globo

Entre lidas e relidas no Twitter, me chamou a atenção o tweet do amigo @profsosa. Em um de seus tweets, ele disse:

Me perdoem os outros mas tinha q ser 2 gaúchos pra colocar a Globo no seu lugar, lembram do Direito de Resposta de Brizola?
clique aqui para ler o tweet original.

Claro que me lembro.

Já era adolescente, mas só queria saber de jogar bola e me divertir na rua.

A Globo, por sua vez, já era referência em jornalismo panfletário e manipulador.

Com o tempo, a maquiagem foi ficando mais fraca e os sinais de manipulação mais evidentes.

Hoje, passados 16 anos do episódio, só tenho que confirmar que, além de Brizola, outro gaúcho enfrentou o poder da Vênus Platinada: Carlos Caetano Bledorn Verri, conhecido como Dunga.

Voltando ao assunto...

Com Brizola, a briga começou depois que a Vênus manipulou os resultados de sua eleição para Governador do Rio de Janeiro em 1984.

A emissora dos Marinho fez de tudo para impedir qualquer projeto de sucesso do seu governo. Cid Moreira sempre começava o JN com a chamada: "Violência no Rio...".

O Rio não era violento. Não da forma como a emissora mostrou.

Mas a Globo transformou o estado do Rio em lugar violento e inabitável. Resultado: influenciadas pelos noticiários da emissora, empresas instaladas no estado começaram a migrar para outros estados - inclusive para o estado vizinho, SP.

E conseguiu o que queria: desmoralizar Brizola e o trabalhismo brasileiro.

Não é possível dizer com precisão, mas até hoje, lá no RJ, devem culpar o ostracismo que o estado sofreu por anos à Leonel Brizola.

Para reverter a situação, ele recorreu na Justiça por um direito garantido na Constituição: o direito de resposta.

Vejam abaixo o vídeo desse dia memorável para a história contemporânea brasileira: 



É fantástico ver o incômodo e a "pressa" de Cid Moreira ao ler o direito de resposta do governador gaúcho - governou de 1 de Março de 91 até 2 de Abril de 94 - radicado no Rio.

Mas não foi só ele que enfrentou a Globo. Como disse, Dunga também mexeu no vespeiro da vênus platinada.

Tudo começou depois que Dunga vetou o acesso privilegiado da emissora aos treinos e aos jogadores.

As entrevistas estavam  previamente combinadas com a CBF, ou seja, as cartas chegaram marcadas até a África do Sul.

Tudo acontecendo nas costas do treinador.

O objetivo era fazer valer o crachá da emissora, para ter furos de reportagem (matérias em primeira mão) e alimentar com entrevistas e fatos de bastidores, os programas de sua grade.

O técnico da seleção logo tratou de cortar o "barato". Se quisesse ter acesso, que fosse igual aos outros jornalistas.

Mas não foi só isso.

O jornalista esportivo Alex Escobar, da Globo, vinha, em várias oportunidades, criticando o treinador. Criticando não... batendo mesmo, sem piedade.

Numa dessas entrevistas combinadas, tinha uma com o jogador Luís Fabiano. Estava marcada para depois do jogo Brasil x Costa do Marfim.

Na coletiva de imprensa com Dunga, Escobar e Schmidt (Tadeu Schmidt, também jornalista esportivo da Globo) trocaram telefonemas para acertar "detalhes" da tal entrevista com Luís Fabiano.

O técnico, que respondia a pergunta de um jornalista, parou de responder e interpelou Escobar: "Algum problema?". Escobar respondeu: "Não, nenhum problema".

Até aí tudo bem, se não fosse algumas palavras, que vazaram pelo áudio da coletiva. Segundo Schmidt, seriam de baixo calão, dirigidas ao jornalista Escobar.

Chingar o técnico, é jornalismo; chingar o jornalista, é ameaça à liberdade de imprensa?

Além da campanha "Cala Boca Tadeu Schmidt", que já está em 1º lugar nos tópicos mais comentados do Twitter, outro também vem chamando a atenção das pessoas: #DiaSemGlobo. Consiste em assistir o próximo jogo da seleção - Brasil x Portugal - em qualquer outra emissora, que não seja a dos Marinho.

Não sejamos ingênuos: a medida não vai diminuir o poder da Globo, mas serve para mostrar que há concorrentes e que seu poder já não é mais supremo.

Vejam abaixo o vídeo do segundo gaúcho - o primeiro foi Brizola - que enfrentou o poder da Globo:



Em tempo: a emissora decidiu recuar, para preservar sua imagem perante a opinião pública e dar a impressão de que tudo são "águas passadas". A Globo costuma ser vingativa com seus inimigos. O jornalista Eliakim Araújo ensina... 

Eduardo Pessoa

20 de jun. de 2010

Estatuto Racial e a afirmação da identidade negra

No dia 16 de Junho (Quarta-Feira), o Senado Federal aprovou o Estatuto da Igualdade Racial, um documento cujo objetivo é criar, do ponto de vista legal, oportunidades para as chamadas minorias étnicas. Para haver igualdade, é importante entender também o conceito de diversidade, em todos os níveis: religioso, cultural, político e econômico. Não é o que se vê no Estatuto aprovado pelo Senado.

A Constituição reza que "todos são iguais diante da lei", mas o sistema econômico nos mostra que a lei é para quem pode pagar por ela. Infelizmente, nem todas as pessoas que precisam ser beneficiadas pela lei, podem. Vale lembrar que o tal Estatuto foi idealizado ainda em 1999 e ficou engavetado por 10 anos. De criação do senador Paulo Paim (PT-RS), o projeto sofreu mudanças que o deixou irreconhecível. A plástica feita no "Frankestein" - nas palavras do belo editorial da AfroPress - ficou por conta do senador Demóstenes Torres (DEM-GO). 

Desvirtuando o Estatuto 

O senador é da bancada ruralista, que além de reunir grandes produtores rurais, tem em suas fileiras políticos acusados de pactuarem com o trabalho escravo. Boa parte dos trabalhadores ainda submetidos a esse regime - em pleno século XXI - são negros. É vergonhoso imaginar que um servidor público, concursado do Ministério Público de Goiás como o senador Demóstenes, tenha tomado essa atitude preconceituosa e excludente em propôr tal projeto. No entanto, é compreensível seu posicionamento, levando em consideração sua postura ideológica, em defesa dos interesses de grandes empresários e corporações do agronegócio.

A primeira falha do Estatuto, logo de cara, é não reconhecer a diversidade étnica brasileira e resumir boa parte de nossa história e cultura em "todos são iguais diante da lei". A segunda falha grave do Estatuto é excluir de seu texto as políticas afirmativas implementadas pelo Governo Federal, com o ojetivo de diminuir a desigualdade de oportunidades, sobretudo no mercado de trabalho e no ensino superior. As chamadas cotas raciais, na visão de políticos  e formadores de opinião na grande imprensa, são preconceituosas e excludentes, pois daria - na visão deles - exclusividade para os negros e índios ingressarem nas universidade, deixando os que "realmente precisam" de fora.

Em Março deste ano, o próprio senador democrata disse que o problema não é racial, mas sim estrutural, da pobreza. Além disso, ele declara que isso privilegiaria negros ricos. "Ao estabelecermos cotas raciais, estabelecemos que os negros ricos podem entrar por meio das cotas, o que é uma discriminação grave". Quando se fala em igualdade racial, parte-se do pressuposto de que é necessário criar mecanismos, inclusive legais, de promoção de grupos étnicos minoritários. E isso independe da condição socioecônomica. Talvez o senador desconheça esse princípio básico. Segundo o professor José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), em 2004, 97%  dos alunos de universidades públicas brasileiras eram brancos, 2% negros e 1% de amarelos. São dados que se chocam com outra realidade: a de que o Brasil tem 45% da população declaramente negra e, paradoxalmente, se encontra nos patamares sociais mais baixos.

Além do futebol e da música

A problemática racial precisa sair do campo simbólico e atingir o campo prático, e ganhar autonomia. Os partidos de direita trabalham com a idéia de democracia racial, isto é, a de que não há racismo no Brasil e que os negros, por aqui, "sabem o seu lugar". A idéia é abraçada inclusive por políticos, intelectuais e partidos de esquerda. A questão sempre esteve lá, mas de um modo ou de outro, sempre tamparam os olhos. Fica para segundo plano.

Tudo isso tem dificultado os próprios negros e a forma como se vêem. É lamentável andar pelas ruas e ouvir as pessoas chamando uns de negros, outros de moreno, e alguns de mulato/a (urgh!); estabelecendo graus de mais ou menos cor, etc. Prejudica o relacionamento entre homens e mulheres de cor negra. O preconceito em relação aos negros não é por sua origem, e sim, por seus traços. Nisso podemos incluir a boca, o nariz, os olhos, o cabelo, além da cor da pele. Basta perguntar aos policiais como eles abordam os negros na rua. Isso quando abordam - às vezes matam antes de perguntar.

Na avaliação do senador democrata, um artista como Dudu Nobre, que veio de berço nobre, não poderia entrar na universidade, nem ser beneficiado pelo sistema de cotas, por ser um negro rico. Sim, ele é rico, mas ascendeu socialmente pelo espaço que a sociedade branca relegou aos negros: futebol ou música. Ele subiu através da segunda alternativa. É indubitável sua capacidade artística, mas somos bons só na e para a música? Claro que não!  E somos bons só no futebol e para o futebol também? Também não!

Os negros estão mostrando que sua capacidade vai além desses dois âmbitos. Para continuar na questão das cotas em universidades - suprimido do Estatuto - os alunos cotistas têm menor índice de evasão em relação aos não-cotistas, segundo o MEC. Enquanto estes têm evasão de 4%, aqueles têm índices de 13%. Em 2008, na própria UnB, enquanto 1,73% dos alunos cotistas trancavam matérias nos cursos, 1,76% dos não-cotistas tomavam a mesma providência. Isso sem contar nas notas: 6,5 dos cotistas e 6,3 de não cotistas.

Isso mostra a efiência da política cotas raciais. Além disso, com a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no governo do presidente Lula, mostra que o Estado reconhece as falhas e tenta, através da SEPPIR, corrigí-las e oferecer políticas públicas que atendam a população negra no Brasil.

Fatia grande? Nós queremos!

Outro ponto que foi subtraído do Estatuto aprovado no Senado é a concessão de cotas em partidos políticos e empresas. Ora, se não há negros, não há cotas; se não há cotas, para quê abrir espaço para eles no mercado de trabalho? Essa é a visão do senador democrata, quando aprovou o "Frankstein" (me aproprio do termo usado pela AfroPress). Visão simplista, que desconsidera toda nossa complexidade cultural.

Em um texto que publiquei aqui mesmo, no blog, já destacava a discrepância entre o sonho de uma democracia racial e a realidade dos negros. Os tais "negros ricos" que o senador democrata cita em sua declaração são praticamente invisíveis. Reproduzo abaixo um trecho do texto:

Já no topo da pirâmide, os números não são animadores. Dados do Instituto Ethos e do Ibope de 2006 mostram que somente 3,4% ocupam cargos de Presidência ou Diretoria dentro de grandes empresas. Nos cargos de Gerência o número aumenta para 9% e o percentual aumenta a medida que os cargos diminuem na hierarquia empresarial. São 13,5% ocupando cargos de Supervisão e 26,4% nos demais cargos, de natureza operacional. 

Os dados mostram que há mais negros nos chamados trabalhos braçais e menos nos intelectuais. Isso sem falar nos "inempregáveis", termo usado por Fernando Henrique Cardoso para justificar o aumento do desemprego durante sua gestão. Não faz o menor sentido a sociedade e o Estado se esquivarem de um problema tão grave como esse. Também não é possível que o presidente Lula, com mais de 80% de aprovação em seu governo, manche sua gestão sancionando essa lei esdrúxula, excludente e preconceituosa.

Estamos vivendo uma segunda Lei Áurea. Na primeira, aprovada em 13 de Maio de 1888, os negros estavam "livres" da escravidão formal, mas foram jogados ao seu próprio destino. Sem emprego nas cidades, e sem reforma agrária, no campo, os negros foram compondo bolsões de miséria, longe dos grandes centros urbanos, ou em volta deles, que são os que hoje se chama de favela.


Que o projeto seja vetado pelo Presidente Lula e que seja debatido amplamente pela sociedade. Os principais interessados - negros e demais minorias étnicas - precisam entrar ativamente no debate, ou ficaremos no lugar de "coadjuvantes", que é o sonho da elite branca, que sonha com um Brasil "europeu", sem índios, cafusos, caboclos e negros.

Eduardo Pessoa

O perigo da visão única

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie nos mostra os perigos de analisarmos o mundo apenas a partir de uma visão. Dentre os vários prejuízos decorrentes da visão única, o principal delas é a alienação, ou seja, ter o pertencimento cultural e social arrancado, subtraído, perdido. 

O vídeo tem duração de 18 minutos e garanto que serão muito bem aproveitados. Basta clicar em "subtitles" para ativar a legenda em Português.


5 de jun. de 2010

Sex and The City e as tribos sem língua

Dias atrás assisti ao filme Sex and The City 2, em cartaz nos cinemas, acompanhado de uma presença feminina: minha namorada. O objetivo era comemorar uma data especial para o nosso relacionamento. E tudo terminou de uma forma especial e diferente. O centro da questão não é o meu relacionamento, mas as “nuances” do filme. Para começar, o filme é tecnicamente bem executado e com um figurino de primeira linha. Trabalha com a predominância de branco – ambientes externos – com cores mais escuras para os ambientes internos, no caso de Nova York. As cores quentes aparecem nas cenas que se passam em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Ainda assim, não são essas as “cores” de que quero tratar.

“Vamos começar pelo começo”, já diz o sábio ditado. Antes de penetrar nas “nuances” e “cores” que quero abordar, uma parada rápida sobre o título. Não me refiro a palavra “Sex”. Durante todo o filme, as quatro amigas de NYC, interpretadas por Sarah Jessica Parker (Carrie), Kim Cattrail (Samantha), Kristin Davis (Charlotte) e Cynthia Nixon (Miranda), mostram que em termos sexuais, elas são (muito bem) resolvidas. Falarei disso mais adiante.

Avancemos no título, até chegar em “City”. Olhem a arrogância da palavra “City”. Ela não está posta somente como o final de New York City, mas representa a arrogância do império norte-americano, em franca decadência. Não é somente a City ou a Big Apple dos gringos, mas é a reprodução da urbe ET orbe (a cidade de Roma e o mundo, em latim) que os antigos romanos usavam para designar Roma. Não me causaria espanto se o título fosse “Sex and the Urbe”.

A Urbe dos Estados Unidos aparece descrita na música “Empire State of Mind”, de Jay-Z e Alicia Keys: “One hand in the air for the big city / streeets lights, big dreams, all lookin’ pretty” (“Uma mão para o ar em nome da grande cidade, luzes da rua, grandes sonhos, tudo soa maravilhoso”). Nova York está para os EUA assim como Roma estava para o império romano: a capital do mundo e de “todas” as tribos.

Sex And The City 2, porém, não é o filme de todas as tribos. Nem de todas as mulheres. Embora trabalhe com o mito “com um pouco de esforço, se chega lá”, sabemos que as coisas não são tão simples assim. Para chegar “lá”, existem alguns pré-requisitos a serem seguidos. E é aí que muitas mulheres são eliminadas. Em primeiro lugar, para chegar ao patamar delas, não precisa nascer rica, mas pelo menos branca, com os padrões físicos “desejáveis”: alta, magra, com um corpo escultural e traços anglo-saxônicos. Para o resto, as cirurgias plásticas, os salões de beleza e os “hormônios” de Samantha dão um jeitinho.

Na sala de cinema a única mulher negra era minha namorada. No filme, não vi nenhuma. O filme também mostra uma Nova York mais próxima da elite e da classe média do que dos populares. Esqueça Brooklyn, Harlem, Queens e Staten Island. Na vida real, elas são escondidas; no filme, sequer existem.

Para aquelas que não gostam de pensar politicamente o filme, um alento: tem homens bonitos. “Boa pinta”, dirão os rapazes mais conservadores. E claro, todos disponíveis para elas: americanos, dinamarqueses, árabes, jogadores de rugby da seleção australiana. Os homens como objeto do apetite sexual das mulheres. São quatro amigas, bem-sucedidas financeiramente, que representam quatro mundos diferentes. Tem a mulher descolada, que tenta lidar com os dramas do casamento (Carrie), a que tem um casamento conservador, mas abalado pela babá bonitona, loira e solteira (Charlotte), a solteira “fogosa” (Samantha) e a advogada Miranda, que não tem tempo para a família. A mulher pode até não ter filhos, mas tem que se casar. Assim a sociedade “cria” suas mulheres: prontas para o casamento.

Casamento, traição, insegurança: temas caros às mulheres modernas. E elas estão falando a mesma língua. Seja em Nova York ou em Abu Dhabi, elas querem se livrar de uma amarra maior, sutil: a dominação e a “castração” masculina. Em Nova York, Carrie tem seu artigo criticado no jornal The New Yorker - do qual é leitora assídua há 10 anos - acompanhado de uma charge em que aparece com a boca cheia de esparadrapo; em Abu Dhabi, mulheres discutem sobre moda em uma inocente loja de flores. E debaixo de suas burkas, a coleção Primavera-Verão que sequer chegou às prateleiras.

Para quem se contorceu na poltrona do cinema – passadas duas horas de filme – outro alento: tudo acaba bem. Sim, por alguns instantes elas questionam o sistema e até promovem mudanças em suas vidas, mas nada muito radical. Tudo dentro dos moldes, para não “ofender” ninguém: a grande maçã e seu urbanismo perverso; os homens e suas traições, mesmo que mentais; o sofá e a televisão, companheiras inseparáveis – do homem – depois de anos de casamento.

Tudo não passa de um grande susto. Depois de uma vidinha em “preto e branco”, tudo fica colorido no final. “True Colors” canta a música de Cindy Lauper, que encerra o filme. Um filme colorido, cheio de glamour, mas que não cola. Isso explique o porquê do filme não ter decolado nos EUA. Perdeu em bilheteria para Shrek. Também pudera: o ogro verde está mais próximo da realidade de muitas pessoas – um ser com defeitos e qualidades – do que as quatro amigas de Sex and The City 2, complicadas, perfeitas e tão distantes para mulheres e homens.