5 de out. de 2010

Fábrica de crises

“Hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão, não”
Apesar de você, Chico Buarque (1970)

Desde 2002, a mídia se especializa em fabricar “situações-crise”, isto é, transformar contextos isolados e pontuais em uma série concatenada de fatos, para desequilibrar a corrida eleitoral.

Na primeira eleição ganha por Lula, o medo do Brasil se tornar um país comunista, nos modelos da União Soviética, com direito a chantagem econômica do mercado financeiro (dólar chegou à época a R$ 4,00); em 2006, a Operação Lunus, dinheiro obtido de forma ilegal, em parceria com o delegado da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, para incriminar o Partido dos Trabalhadores e Lula.

Em 2010 – pasmem! – nova situação-crise, dessa vez em pauta a religião, os costumes e valores do brasileiro médio. Aliás, esse brasileiro que hoje se incomoda com Dilma, temente a Deus, contra o aborto e o casamento homoafetivo, é o mesmo beneficiado pelas políticas públicas do governo Lula.

O crescimento econômico com distribuição de renda veio descasado de uma politização da classe média ascendente, cujo progresso econômico veio acompanhado de uma postura política conservadora e suscetível a mudanças aparentemente insignificantes.

A despolitização dessas massas, sobretudo entre os jovens, e o discurso religioso de Marina Silva, apoiados pelos correligionários midiáticos de Serra, deram a tônica do processo eleitoral, que desencandeou no segundo turno atualmente vivido por Dilma e Serra.

O jornalista Luiz Carlos Azenha, do Viomundo, previu que a despolitização seria prejudicial para a campanha de Dilma. O resultado nas urnas foi claro. Marina se apoderou da despolitização e do fanatismo religioso para “inflamar” mentes e corações.

A Rede Globo, uma das correligionárias amigas de Serra, parece ter esquecido – por conveniência política – o episódio do pastor iconoclasta, que chutou a santa em um dos programas da emissora concorrente – Rede Record.

A Rede Globo, simpática do discurso cristão-católico e da Opus Dei, aliou-se aos evangélicos (historicamente, protestantes) radicais, representados por Marina, para alavancar Serra e dificultar a vitória de Dilma logo no primeiro turno. Resta saber o que ela (Dilma) fará para reverter às declarações que macularam sua campanha nas últimas semanas.

No Twitter, a hashtag #ondaverde ficou uma semana entre as 10 primeiras do Trending Topics. As tags relacionadas a Dilma estagnaram em 220 mil “mentions” (citações). Causa para isso? Provavelmente falha no sistema do microblog ou ação de trolls tucanos.

De qualquer forma, a campanha de Dilma foi vitoriosa, pois conseguiu metade dos 80% de popularidade de Lula. Embora a revista Financial Times anuncie sua eleição “de certa para questionável”, Dilma larga na frente com mais de 49 milhões de votos.

Além disso, o PT e sua base aliada conseguiram 64% das cadeiras do Senado Federal. Isso significa que a candidata dispõe de 52 senadores de sua base contra 26 da atual oposição. Na Câmara dos Deputados, Dilma contará com 60% dos deputados, ou seja, 309 das 513 cadeiras da casa legislativa.

Conjuntura
Com as consequências trazidas pelo fenômeno “Marina”, percebe-se a coesão da direita brasileira. Livre de rótulos e amarras ideológicas, ela se apodera dos candidatos que preservem seus interesses imediatos. Representada pela mídia corporativa e por José Serra, ex-esquerdista, a elite agora se apossou também de Marina, ex-petista.

Analisando as porcentagens por Estado, é possível verificar que Serra saiu vitorioso no Acre, estado de Marina (52,16%) e em São Paulo, seu reduto político, com 40,66%. O tucano também faturou em estados do norte, como Rondônia (45,40%) e Roraima (51,05%).

Dilma, de sua parte, ganhou em Minas Gerais, um dos maiores colegiados do Brasil, com 46,98% e no Rio de Janeiro (43,76%). A candidata petista teve larga vantagem nos estados do Nordeste e no Amazonas. Isso significa que os políticos corolenistas, dentro da nova configuração do Senado, ficaram de fora.

O Brasil ficará, por quatro anos, livre de Arthur Virgílio, Heráclito Fortes, Tasso Jereissati, César Maia, Marco Maciel, Raul Jungmann, Mão Santa, Heloisa Helena, entre outros. Na Câmara, o candidato do Partido Republicano (PR), Tiririca, conseguiu 1 milhão de votos, abrindo vaga para deputados da base aliada do PT, entre eles, o ex-delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz.

Minas Gerais abriga o senador eleito Aécio Neves, inimigo de Serra no estado, embora sejam do mesmo partido. Nada espantaria este ordinário blogueiro se Aécio apoiar Dilma no segundo turno.

Nova postura
Com o quadro positivo dentro do Congresso Nacional, a campanha de Dilma Rousseff, para garantir o pleito no segundo turno, precisa mudar de postura na segunda etapa das eleições.

Para tanto, não basta só receber de sorriso aberto as críticas, muitas delas infundadas, da mídia e da oposição. É necessária atitude para rebater as críticas de forma inteligente, reavivando a militância, desanimada com o andamento do primeiro pleito.

Resta saber qual será a atitude de Marina e seu Partido Verde. Cairá nos braços da direita (Gabeira confrimar apoio a Serra no segundo turno) ou será coerente com seus princípios e apoiará Dilma? Ficar em cima do muro significa apoiar Serra e ser uma fujona, tal qual ele foi durante o regime militar. 

Dilma, do contrário, não fugiu: lutou e quase pagou com a vida o preço da democracia. E ela, candidata do Partido dos Trabalhadores, voltará diferente nessa segunda etapa. 

Eduardo Pessoa

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