Apesar de ser uma capital jovem e moderna, Brasília enfrenta problemas comuns nas grandes cidades, cuja história remonta a séculos anteriores. Um dos problemas enfrentados é o transporte coletivo.
A incapacidade do transporte na cidade vai desde detalhes operacionais até problemas estruturais, além da visão estratégica dos governos que passaram pelo Palácio do Buriti.
Sem querer contrariar os gênios Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, mas Brasília, além de ser capital moderna, cuja construção ocorreu para ser o epicentro do desenvolvimento do Centro-Oeste, na verdade se configurou como área de escoamento dos veículos que circulavam na região Sudeste.
São Paulo e Rio de Janeiro, nos anos 50, 60 e 70, sofriam aumentos populacionais estratosféricos, fruto da migração norte-nordeste (hoje criticada por Mayaras e Janaínas). A indústria automobolística obteve excelentes resultados de vendas na região. E queria mais.
A construção de Brasília foi um "paraíso" para Ford, GM, Fiat e outras empresas do ramo. O Plano Piloto, isto é, o centro de Brasília, foi concebido para abrigar 150 mil moradores e uma frota pequena de veículos. Mas o Distrito Federal cresceu, impulsionado pela migração do Nordeste e das regiões Sul e Sudeste.
O carro virou sonho de consumo das famílias médias de Brasília.
Com a dinâmica impulsionada pela migração e a economia brasileira a época, que crescia a taxas robustas, que hoje chamamos de "taxas chinesas", a frota de automóveis na cidade cresceu assustadoramente. E o transporte público piorou.
Muito carro, pouco ônibus
Segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, existe uma frota de mais de 1 milhão de veículos para 2 milhões de habitantes do Distrito Federal (incluindo o entorno - Luziânia, Formosa, Águas Lindas, Novo Gama, Valparaízo). Isso significa uma média de 1 carro para cada 2,37 habitantes.
Um número ainda pequeno, se comparado com São Paulo, onde existe 1 carro para cada 1,8 habitante. Contudo, a situação se torna preocupante e séria.
Prova disso é que circulam na cidade pouco mais de 2 mil ônibus, na região Central, nas Regiões Administrativas - RAs e entorno.
A tarifa do sistema de transporte teve um aumento em torno de 60% acima da inflação. A passagem, uma das mais caras do Brasil, está em R$ 1,50 (circular), R$ 2,00 (curta distância ou entre cidades satélites próximas) e R$ 3,00 (longa distância).
E pensar que nos anos 90, este blogueiro passeava pelo Distrito Federal pagando R$ 0,50 de passagem. E os ônibus eram pontuais e de qualidade.
Os elementos que compõem a estrutura de custos do sistema de transporte também impulsionaram o aumento nas passagens de ônibus. Um desses elementos é o óleo diesel, que teve um aumento de mais de 70% nos últimos 15 anos, segundo mostra o IPEA.
O mesmo artigo mostra que em Setembro de 1995, o usuário do transporte coletivo comprava 199 passagens de ônibus com 1 salário mínimo; Em Setembro de 2003, o número caiu para 169 passagens compradas, até subir para 215 em Setembro de 2008. Vale ressaltar o valor do salário mínimo em 1995, 2003 e 2008: R$ 100,00, R$ 240,00 e R$ 415,00, respectivamente.
Frota antiga
A recuperação real do salário mínimo, aliado ao aumento do poder aquisitivo da população, contribuiram para que motos e carros disparassem mês a mês as vendas, batendo índices recordes.
Em 2009 foram vendidos 2 milhões de veículos e em 2008 mais de 1 milhão de motocicletas, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares - Abraciclo.
O número maior de carros e motos nas ruas, desestimulou a cultura de utilização do transporte coletivo, que não acompanhou o crescimento dos seus "concorrentes".
De fato, a idade média da frota é de 15 anos. A manutenção é precária e não existe concorrência, contrariando a Lei Distrital 4.011, de 12 de Setembro de 2007.
A Lei diz que "§ 2º A delegação para a prestação indireta dos serviços de transporte público coletivo farse-á sempre mediante licitação na modalidade de concorrência.
§ 3º O prazo da delegação será de até 10 (dez) anos, contados da assinatura dos respectivos contratos, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período, devidamente justificado pelo poder público."
A inexistência de concorrência para operar as linhas se deve a "troca" de favores entre o GDF e os empresários. Em troca do apoio de campanha, o governo autorizou o funcionamento dessas empresas. Muitas delas foram escolhidas sem processo licitatório.
Resultado: criou-se um sistema viciado - e vicioso - no qual governantes e empresários lucram com a precariedade do transporte coletivo, sem que haja alteração na lógica do sistema.
O lobby dos empresários é tão forte, que a política "Brasília Integrada", criada ainda no governo Arruda, de integração entre ônibus e metrô, não foi implementada. Ou vai chamar de "integração" os micro-ônibus que ficam do lado de fora das estações de metrô?
Dúvidas
A mesma Lei Distrital 4.011 prevê a criação de um fundo para a manutenção do sistema de transporte no Distrito Federal. O governador cassado e preso, José Roberto Arruda, ainda não explicou a população do DF o paradeiro dos recursos angariados para a constituição do fundo.
Embora tenha "disciplinado" o transporte na cidade, acabando com a farra e a bagunça que o sistema de vans praticava, Arruda manteve a lógica inalterada. É interessante algum jornalista ou autoridade venha a público dizer se o ex-governador se beneficiou ou não com essa lógica.
Ora, se existe um fundo para manter o sistema funcionando dentro de uma "normalidade", o que explica a reivindicação de Wagner Canhedo Filho, presidente do Sindicato das Empresas de Ônibus e dono da Viplan, uma das empresas que operam em Brasília, de pedir aumento das passagens?
Reparem que Canhedo Filho é dono de uma empresa e ao mesmo tempo presidente do sindicato da categoria.
Absurdo, não é mesmo?
Aliás, vale lembrar que ele também era dono da VASP, que faliu em 2008. Seu pai, Wagner Canhedo, foi afastado da presidência da VASP, mas continua solto.
Ousadia
O sistema público de transporte no DF está viciado e as empresas se tornaram verdadeiras "caixas-preta", invioláveis e poderosas.
A eleição de Dilma Rousseff, do PT, para presidente, e de Agnelo para governador coincidem, pois são do mesmo partido. Compartilham das mesmas idéias e projetos políticos.
O Programa de Aceleramento do Crescimento 2 - PAC-2 - do governo federal, prevê investimentos na área de infraestrutura e mobilidade urbana. E é nesse quesito que entra o transporte público.
Este blogueiro deixa como sugestão algumas propostas para o governo de Agnelo Queiroz:
1) Concorrência e qualidade no transporte coletivo - Cumprir o §2º da Lei 4.011, que exige licitação para novas concessionárias do transporte coletivo - Abrindo concorrência para outras empresas, os usuários terão uma gama maior de ônibus e alternativas de mobilidades nas regiões administrativas. Punir as empresas que descumprirem o quesito "qualidade";
2) Conclusão de obras - Finalizar as obras iniciadas no governo Arruda, ainda inconclusas como a Linha Verde da EPTG, colocando um fim ao transtorno gerado pelo sem número de obras não acabadas em todo o Distrito Federal;
3) DFTrans e TCB - Aprimorar a política de fiscalização do DFTrans, fortalecer a TCB (para que o governo fique menos dependente dos empresários), abrir licitação para contratação de empresa que substitua a Fácil, atual gestora dos vales transportes, que foi contratada sem licitação no governo Arruda;
4) Integração - Implementar, conforme promessa de campanha, o sistema de bilhete eletrônico, completamente integrado com ônibus e metrô, de tarifa única, de preferência por tempo de uso, acabando com o cartel de preços das empresas de transporte;
5) Metrô em todo o DF - Ampliação do Metrô em Samambaia, Taguatinga, Ceilândia, Guará e na parte norte do DF - Sobradinho, Planaltina, Cruzeiro, Octogonal e Asa Norte, além de construção de mais uma linha ligando norte-sul e vice-versa (ex: quem quiser ir para Sobradinho de Taguatinga ou vice-versa, sem precisar pegar uma linha, depois outra linha);
6) Transporte no entorno - Parceria com o governo federal e o governo de Goiás para melhorar e abrir concorrência para o transporte também nas regiões do entorno;
7) Passagens subterrâneas e túneis - Expertise na engenharia civil, com a implementação de passagens subterrâneas e túneis nas principais avenidas do DF - Brasília tem somente o buraco do tatú como túnel. Podemos chamá-lo de túnel?
8) Metrô 24 horas - Criação de um regime de escala para os funcionários do Metrô, aumento salarial com inclusão de insalubridade, funcionamento 24 horas por dia, parceria com a Polícia Militar para garantir a segurança da área externa das estações; concluir as estações que estão contempladas no itinerário do Metrô;
9) Emprego e transporte - Incentivar as empresas e órgãos públicos (quando necessário) a construirem sedes em outras Regiões Administrativas fora do Plano Piloto, fomentando a economia local, gerando emprego e dando subsídio para esses empresários movimentarem seu empreendimento nessas cidades;
10) VLT nas principais cidades do DF - Concluir as obras do Veículo Leve sobre Trilhos - VLT na região central de Brasília e construir outros dois VLTs: um ligando Taguatinga, Águas Claras, Ceilândia e Samambaia e outro ligando Guará, Núcleo Bandeirante, Cruzeiro, Octogonal e Sudoeste; e
11) Ciclovias - Construção de malha cicloviária em todo o DF, com bicicletários nas estações de metrô e terminais rodoviários.
O desafio de Agnelo será não só o de implementar algumas das idéias levantadas por este humilde e ordinário blogueiro, mas de mudar a cultura do brasiliense de que "carro não é um luxo, mas uma necessidade".
Eduardo Pessoa
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